A NOITE | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 230 x 195 cm | 2003

NÃO SE PODE PENSAR A CLAUSURA DO QUE NÃO TEM FIM | Fios de lã e de polipropileno sobre voile de algodão | 2340 x 780 cm | Abadia do Thoronet | CMN / Palais de Tokyo | 2019

NÃO SE PODE PENSAR A CLAUSURA DO QUE NÃO TEM FIM | Fios de lã e de polipropileno sobre voile de algodão | 2340 x 780 cm | Abadia do Thoronet | 2019

PARÁBOLA | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 45 X 54 cm | 2008

BE-A-BA | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 2004

ÓRBITAS | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 290 x 220 cm | 2004

É O OUTRO QUE NOS INVENTA (DETALHE) | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 268 x 225 cm | 2018

É O OUTRO QUE NOS INVENTA | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 268 x 225 cm | 2018

SOIS | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 52 x 72 cm | 2004

A CAMISETA DO PICASSO (MODELO DOISNEAU) | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 113 x 212 cm | 2004

VARAL DE EMOÇÕES | Desenhos bordados sobre lençol de linho e cânhamo

CHEGO LÁ ONDE SOU ESTRANGEIRO | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 72 x 55 cm | 2019

DINHEIRO, PÉ DIREITO | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 85 x 45,5 cm | 2003

G.O. | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo, objetos | 120 x 78 cm | 2007

FERME INTENTION | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 283 x 204 cm | 2004

DEGÂTS-DÉGAGE / DESFAÇATEZ-DESFAÇA | Fios de lã sobre lençol de linho e cânhamo | 200 x 88 cm (duas faces) | Grandes Serres de Pantin | 2021

Paraíso (Aqui se borda aqui se paga) | 1540 x 540 cm | Capela do Morumbi, São Paulo, 2023

LEA E MAURA | Desenho bordado sobre lençol em linho e cânhamo | 280 x1 80 cm | 2003

LADO DO PAI / LADO DA MÃE | Fios de lã, objetos, papel, nanquim sobre lençol de linho e cânhamo | 120 x 78 cm | 2018

O AÇUCAR, UMA HISTÓRIA AMARGA (DETALHE) | Desenho bordado sobre lençol em linho e cânhamo | 221 x 176 cm | 2020

DAMA LIBERDADE | Desenho sobre lençol de linho e cânhamo | 220 x 180 cm | Paris, 2019

DAMA LIBERDADE | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 220 x 180 cm | 2019 | Verso de Clarice Lispector

PRESENÇAS / AUSÊNCIAS | Michael Asbury

Percorrendo a prolixa produção de Villani, começamos a compreender o sentido de certas referências, e como o artista as tece na materialização de sua obra.

Notamos também que o discurso não depende tanto da repetição destas referências, mas da distinção operada em sua articulação.

Um indício importante na compreensão desta complexidade é a série de lençóis Varal de Emoções, que o artista produz num período de seis anos à partir de 1998-99. Reunindo aproximadamente sessenta obras individuadas numa única instalação, o Varal de Villani é uma matriz que entrelaça o singular com o global, as instâncias da história da arte com a vida pessoal. O lençóis são estendidos, não repassados, ainda úmidos, suficientemente fluidos para fomentar diversas interpretações e especulações.

Estabelecido na França há mais de vinte anos, Villani procurava há algum tempo uma maneira de colaborar com artesãos envolvidos com o que poderia se chamar de economia paralela: trabalhadores, normalmente de países em desenvolvimento, que complementam suas rendas graças aos seus dons criativos. O acaso o fez tomar conhecimento de um grupo de mulheres trabalhando numa oficina de bordados no Hospital psiquiátrico de Marilia, sua cidade natal.

Villani adquire então nos mercados de pulgas de Paris lençóis do século 19, em linho dito « camponês ». Realizados em teares rudimentares, eles são compostos de duas faixas estreitas justapostas, em um tecido rude, de fibras de linho e cânhamo. O artista os recobre de desenhos, enviando-os em seguida para as bordadeiras de Marilia.

A sua matéria-prima é o tecido que recobre nossos momentos mais íntimos, nossos sonhos e pesadelos, sobre os quais descarregamos nossos medos e mágoas, onde atravessamos o paroxismo da dor e do prazer, da vida e da morte.

As pacientes que bordavam os desenhos de Villani sofreram traumas diversos, como a perda de filhos ou parceiros. A obra incorpora assim diretamente um processo de luto anônimo – por acaso ou intencionalmente, os lençóis bordados remetem amiúde a temas ligados a presença e a ausência [1] – evocando incidentemente os processos específicos que caracterizam os bordados de Bispo do Rosário e de José Leonilson.

Varal de emoções combina vários territórios afetivos: artesanato e arte, histórico e contemporâneo, mas também os dois lares do artista, o original e o adotado. Num processo de vaivém que reproduz o movimento da agulha do bordado, os lençóis descrevem seu percurso, do Brasil à França, enquanto que seu deslocamento – de Paris para Marília – fecha o círculo.

O percurso dos lençóis de Villani lembra também os hábitos da burguesia européia que mandava seus linhos finos para serem lavados e quarados sob o sol tropical. Embora preservando o extravagante aspecto transnacional, há aqui uma diferença essencial: o sol escaldante do Brasil não pode obliterar o espectro de todos os que com ele se cobriram, e esses lençóis, outrora brancos, voltam coloridos, enriquecidos de seus sonhos.

[1] O próprio processo de bordado marca tanto a frente como o verso do tecido, conferindo um duplo carácter – positivo/negativo – ao trabalho. Esta duplicação do “si-mesmo” aparece em alguns dos lençóis, mas em nenhum de forma tão clara quanto em Lea e Maura (as Gêmeas), referência explícita a uma obra célebre do pintor brasileiro Guignard, na qual duas jovens são representadas vestindo vestidos idênticos. No entanto, na representação de Villani, as gêmeas estão ausentes, sendo apenas retratados os seus vestidos vazios. São, portanto, mais do que um “si” dividido, são divisão e perda.

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Mais lençóis | ANARQUIVOS

A NOITE | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 230 x 195 cm | 2003

NÃO SE PODE PENSAR A CLAUSURA DO QUE NÃO TEM FIM | Fios de lã e de polipropileno sobre voile de algodão | 2340 x 780 cm | Abadia do Thoronet | CMN / Palais de Tokyo | 2019

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PARÁBOLA | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 45 X 54 cm | 2008

BE-A-BA | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 2004

ÓRBITAS | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 290 x 220 cm | 2004

É O OUTRO QUE NOS INVENTA (DETALHE) | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 268 x 225 cm | 2018

É O OUTRO QUE NOS INVENTA | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 268 x 225 cm | 2018

SOIS | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 52 x 72 cm | 2004

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VARAL DE EMOÇÕES | Desenhos bordados sobre lençol de linho e cânhamo

CHEGO LÁ ONDE SOU ESTRANGEIRO | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 72 x 55 cm | 2019

DINHEIRO, PÉ DIREITO | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 85 x 45,5 cm | 2003

G.O. | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo, objetos | 120 x 78 cm | 2007

FERME INTENTION | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 283 x 204 cm | 2004

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LEA E MAURA | Desenho bordado sobre lençol em linho e cânhamo | 280 x1 80 cm | 2003

LADO DO PAI / LADO DA MÃE | Fios de lã, objetos, papel, nanquim sobre lençol de linho e cânhamo | 120 x 78 cm | 2018

O AÇUCAR, UMA HISTÓRIA AMARGA (DETALHE) | Desenho bordado sobre lençol em linho e cânhamo | 221 x 176 cm | 2020

DAMA LIBERDADE | Desenho sobre lençol de linho e cânhamo | 220 x 180 cm | Paris, 2019

DAMA LIBERDADE | Desenho bordado sobre lençol de linho e cânhamo | 220 x 180 cm | 2019 | Verso de Clarice Lispector

PRESENÇAS / AUSÊNCIAS | Michael Asbury

Percorrendo a prolixa produção de Villani, começamos a compreender o sentido de certas referências, e como o artista as tece na materialização de sua obra.

Notamos também que o discurso não depende tanto da repetição destas referências, mas da distinção operada em sua articulação.

Um indício importante na compreensão desta complexidade é a série de lençóis Varal de Emoções, que o artista produz num período de seis anos à partir de 1998-99. Reunindo aproximadamente sessenta obras individuadas numa única instalação, o Varal de Villani é uma matriz que entrelaça o singular com o global, as instâncias da história da arte com a vida pessoal. O lençóis são estendidos, não repassados, ainda úmidos, suficientemente fluidos para fomentar diversas interpretações e especulações.

Estabelecido na França há mais de vinte anos, Villani procurava há algum tempo uma maneira de colaborar com artesãos envolvidos com o que poderia se chamar de economia paralela: trabalhadores, normalmente de países em desenvolvimento, que complementam suas rendas graças aos seus dons criativos. O acaso o fez tomar conhecimento de um grupo de mulheres trabalhando numa oficina de bordados no Hospital psiquiátrico de Marilia, sua cidade natal.

Villani adquire então nos mercados de pulgas de Paris lençóis do século 19, em linho dito « camponês ». Realizados em teares rudimentares, eles são compostos de duas faixas estreitas justapostas, em um tecido rude, de fibras de linho e cânhamo. O artista os recobre de desenhos, enviando-os em seguida para as bordadeiras de Marilia.

A sua matéria-prima é o tecido que recobre nossos momentos mais íntimos, nossos sonhos e pesadelos, sobre os quais descarregamos nossos medos e mágoas, onde atravessamos o paroxismo da dor e do prazer, da vida e da morte.

As pacientes que bordavam os desenhos de Villani sofreram traumas diversos, como a perda de filhos ou parceiros. A obra incorpora assim diretamente um processo de luto anônimo – por acaso ou intencionalmente, os lençóis bordados remetem amiúde a temas ligados a presença e a ausência [1] – evocando incidentemente os processos específicos que caracterizam os bordados de Bispo do Rosário e de José Leonilson.

Varal de emoções combina vários territórios afetivos: artesanato e arte, histórico e contemporâneo, mas também os dois lares do artista, o original e o adotado. Num processo de vaivém que reproduz o movimento da agulha do bordado, os lençóis descrevem seu percurso, do Brasil à França, enquanto que seu deslocamento – de Paris para Marília – fecha o círculo.

O percurso dos lençóis de Villani lembra também os hábitos da burguesia européia que mandava seus linhos finos para serem lavados e quarados sob o sol tropical. Embora preservando o extravagante aspecto transnacional, há aqui uma diferença essencial: o sol escaldante do Brasil não pode obliterar o espectro de todos os que com ele se cobriram, e esses lençóis, outrora brancos, voltam coloridos, enriquecidos de seus sonhos.

[1] O próprio processo de bordado marca tanto a frente como o verso do tecido, conferindo um duplo carácter – positivo/negativo – ao trabalho. Esta duplicação do “si-mesmo” aparece em alguns dos lençóis, mas em nenhum de forma tão clara quanto em Lea e Maura (as Gêmeas), referência explícita a uma obra célebre do pintor brasileiro Guignard, na qual duas jovens são representadas vestindo vestidos idênticos. No entanto, na representação de Villani, as gêmeas estão ausentes, sendo apenas retratados os seus vestidos vazios. São, portanto, mais do que um “si” dividido, são divisão e perda.

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